Por trás dos bancos falidos havia sempre um grupo familiar com receio de perder prestígio social conta ele. Ex-professor no curso de doutorado incompleto da presidente Dilma Rousseff na Unicamp Fernando Costa baseou a pesquisa não só em relatórios oficiais e livros sobre o setor mas também na própria experiência como vice-presidente de Finanças da Caixa Econômica Federal e diretor da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) entre fevereiro de 2003 e junho de 2007.

O GLOBO: Por que é tão recorrente fraudar balanços?

FERNANDO COSTA: O responsável pela contabilidade bancária brincava comigo: “Quem dá o lucro do banco sou eu!”. Percebi que a provocação era verdadeira. Com provisões para devedores duvidosos em alguns anos e a reversão dessas provisões em outros o lucro anual é determinado contabilmente. As inovações dos bancos servem frequentemente para contornar as regulamentações atuando nas brechas da lei ou da fiscalização. Escutei de um banqueiro privado ironicamente: “Eu posso fazer tudo o que não está proibido na lei”. Então o Banco Central vai correndo atrás dessas brechas e vai fechando a porteira.

é possível evitar casos como o do PanAmericano e o do Cruzeiro do Sul?

COSTA: Tudo depende de fiscalização. Com essas experiências negativas o Banco Central vai percebendo falhas em sua supervisão bancária. O caso PanAmericano serviu para perceber que não havia controle sobre a venda de carteiras de crédito fenômeno comum após a quebra do Banco Santos em 2004. Pelo “efeito demonstração” os depositantes fugiram de bancos pequenos e médios. Com dificuldade de captação de recursos eles tinham de se capitalizar ou levantar recursos no exterior. Ou colocar recebíveis em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (Fidc) ou vender as carteiras de crédito consignado originadas por “pastinhas” para os bancos grandes. Em meio a essas dificuldades de captação não deixavam de contabilizar os créditos vendidos em seus balanços. Ou seja esses ativos fictícios continuavam a render lucros pagando dividendos e bônus para seus executivos. Agora tenta-se evitar o problema com o registro desses contratos de vendas de carteiras na Central de Cessão de Crédito.

O que há de comum em casos como PanAmericano Nacional Bamerindus e Econômico?

COSTA: Algumas características comuns dos casos expressivos entre os bancos “perdedores” cujas marcas desapareceram são a promiscuidade com o instável poder político o autofinanciamento do grupo econômico o vínculo maior com sua base regional a defasagem tecnológica em relação aos maiores concorrentes a vulnerabilidade frente às mudanças macroeconômicas a gestão familiar não profissional e fraudulenta. Desesperado com a redução dos lucros distribuídos o banqueiro quebrado procura ainda manipular o lucro líquido por meio de expedientes fraudulentos como reduzir as provisões para devedores duvidosos isto é o dinheiro que precisaria reservar para fazer frente a maus devedores rolando indefinidamente créditos ruins ou aceitando garantias desvalorizadas. Após a “gestão de maquiagem” passa para a “gestão desesperada” inclusive com a proibida concessão de crédito para o próprio grupo. O ponto comum entre essas bancarrotas é que eram bancos controlados ainda por famílias que evitavam de todas as formas perder o status social. Eram dirigidos por executivos que recebiam bônus elevadíssimos. Existiu uma atitude geral de camuflar as coisas na esperança de uma solução milagrosa.

Com os juros mais baixos acabam as margens de lucro mais gordas?

COSTA: Não é verdade que a queda dos juros diminui o lucro. Com a economia crescendo e juros mais baratos o banco ganha crédito em escala. Com menor spread e maior escala o banco fica mais seguro e pode aumentar a massa de lucros. O que compensa a queda dos juros é o ritmo de crescimento da economia. Banco quer sempre ofertar crédito porque ganha muito mais assim do que com tesouraria (título público). Mas é um problema de escala. Tendo a demanda de crédito o lucro aumenta pois a margem é maior.

O que explica o sucesso de bancos líderes brasileiros?

COSTA: Todos os bancos privados nacionais líderes em conjunto com empresas não financeiras fazem parte de algum grupo econômico forte. Eles atuam em todas atividades bancárias seja de varejo seja de atacado sem perderem entretantoo foco em seu nicho de mercado específico. Todos cresceram por meio de fusões e aquisições bancárias ganhando assim abrangência nacional apesar de sempre privilegiarem a disputa de negócios na região mais dinâmica e no centro financeiro isto é em São Paulo. Conseguiram opor barreira tecnológica aos seus concorrentes. Antes da última fase de concentração bancária e de apreciação da moeda nacional eles ainda não tinham escala para almejar maior inserção internacional. Agora este é o grande desafio histórico.

Há riscos em concentrar tanto o crédito brasileiro em poucos bancos?

COSTA: Concentração bancária não provoca risco muito pelo contrário. Antes da estabilização da inflação não havia demanda por crédito indexado devido ao risco de fragilidade financeira do tomador que não conseguisse fazer o repasse do custo financeiro para seus preços. Uma economia fica estagnada sem a alavancagem financeira propiciada pelo crédito como ocorreu entre 1994 e 2002 com a crise bancária a privatização dos bancos estaduais a concentração e a desnacionalização do setor bancário e a reestruturação patrimonial dos bancos federais. Desde 2003 a proporção de crédito em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) dobrou atingindo 50% do PIB. Hoje o problema é a crise econômica internacional.

é possível evitar essa concentração?

COSTA: é uma ilusão achar que tem que aumentar o número de bancos. Não é o maior número de bancos que eleva a competição. A competição de bancos é ferrenha mas não se dá através de preço e sim com qualidade de serviços automação localização de agências marketing etc. A tendência histórica é haver concentração. Não é ruim pois fortalece o sistema. Os clientes escolhem os bancos grandes demais para quebrar.

Como o senhor vê a associação da Caixa com PanAmericano e BTG Pactual?

COSTA: Comprando o controle acionário do Banco PanAmericano por R$ 450 milhões e associando-se indiretamente com o Tesouro Nacional em janeiro de 2011 o BTG Pactual parece ter realizado o melhor negócio do mundo que é comprar banco bom. Comprando antes praticamente a mesma participação acionária por quase R$ 300 milhões a mais a Caixa parece ter feito o segundo melhor negócio que é comprar banco ruim. A opinião pública não foi ainda suficientemente esclarecida sobre essa única operação do braço de participações da Caixa. Por que ela fez esse negócio.

Fonte: O Globo

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