A cabeça encostada na parede. O olhar para o alto meio perdido. O que Ubirajara Gomes da Silva estaria pensando naquele instante? Sentado na última fileira de cadeiras azuis de uma das salas de conferência do nono andar do edifício central do Banco do Brasil no Bairro do Recife o ex-morador de rua estava exatamente no lugar onde sonhou — e por muito tempo apenas sonhou — estar. Mas sua cabeça parecia longe dali distante das palavras do discurso de boas-vindas que a gerente de gestão de pessoas Helda Madruga fazia para recepcionar os 25 aprovados no concurso público para a função de escriturário.

“Pensei em toda minha vida. Em tudo o que passei nos últimos 12 anos. Foi muito rápido. De repente estou aqui” contou. Todos naquele prédio sabiam quem é Ubirajara e seriam capazes de contar — possivelmente em tom épico — passagens da vida dele. Sabiam que aquele homem de camisa social bem passada calça jeans e tênis novos cabelos e unhas bem cortadas há 20 dias era um mendigo. Dormia encolhido com os braços dentro da blusa em calçadas e bancos de praça da zona norte do Recife. Usava a mesma roupa uma semana inteira. Passava dias sem tomar banho. Sequer tinha escova de dentes. Viveu assim por mais de uma década. Dos 15 aos 27 anos as noites foram marcadas pelo medo e as manhãs e tardes por anotações de livros que copiava em bibliotecas públicas. Dizia que um dia passaria em um concurso público. Era chamado de louco.

Realidade – De repente o aparentemente disperso Ubirajara levanta timidamente o dedo indicador da mão direita. Pede a palavra e abre um sorriso. Todos na sala voltam o olhar para ele. “Eu quero ser gerente de pessoa jurídica” afirma com firmeza. Era uma resposta para a pergunta feita pelo gerente de suporte operacional que coincidentemente também se chama Ubirajara. O gerente lançara no ar um desafio para os recém-chegados. “Onde vocês querem chegar aqui no banco?” Apenas um dedo foi levantado rompendo a timidez coletiva. E dessa vez ninguém o chamou de louco.

Encerrada a apresentação era hora da simbólica assinatura de contrato e do recebimento do crachá provisório. Agora ele começa um período de 90 dias de experiência para então ser realmente contratado. Todos receberam os documentos em suas cadeiras exceto Ubirajara. Ele foi chamado para subir em um pequeno tablado na frente da sala. Levantou-se meio envergonhado acompanhado por quatro câmeras de emissoras de televisão. Seus dias têm sido assim desde que sua história ganhou a capa do Diario de Pernambuco em 20 de junho.

A mídia transformou o morador de rua em celebridade. Para muitos um exemplo. Um herói que conseguiu driblar a lógica natural da sociedade. “Agora me chamam até de fofinho de lindo…” ironiza Ubirajara. Para quem não o conhece a ironia e o senso crítico são duas características que ele não costuma esconder. Com o cordão do crachá no pescoço ele disse apenas estar um pouco tonto. Foi para o banheiro lavar o rosto e saiu para tomar café. Parecia querer despertar. Mas não era sonho. Não mais.

Fonte: Diário de Pernambuco

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