‘Mesmo assim elas têm menor participação no mercado de trabalho e renda inferior à dos homens. Consideradas pelo governo como um dos objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM) a serem alcançados até 2015 a igualdade entre os sexos e a valorização feminina dependem de esforços regionais para se tornar realidade. Na terceira reportagem da série sobre o monitoramento dos ODM o Correio mostra onde a discriminação está mais arraigada.

Um cruzamento de dados feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) juntamente com o Observatório Regional Base de Indicadores de Sustentabilidade (Orbis) indica que a participação da mulher no mercado formal de trabalho está relacionada com o desenvolvimento econômico dos municípios. Nas cidades com maior proporção de pessoas abaixo da linha de pobreza há mais empregadas com carteira assinada (56%) do que naquelas onde o percentual de moradores nessa situação é menor (39%). Nos municípios mais urbanizados o índice de mulheres na informalidade é maior do que nas localidades com menor taxa de urbanização.

Aos 49 anos Maria de Fátima Brito Campos está fora das estatísticas de trabalhadores com carteira assinada. Mãe de uma menina de 11 anos a moradora do Riacho Fundo II sustenta a família com cerca de R$ 500 mensais que consegue vendendo café balinhas e salgados no Setor Bancário Sul. Todos os dias ela sai de casa às 5h e volta depois das 20h. Fátima já teve um emprego formal. Trabalhava com vendas de títulos de turismo e de consórcios de carros e imóveis. Há 10 anos porém pediu demissão para cuidar da filha e do marido que sofreu um acidente e fraturou a coluna. Hoje ele é aposentado por invalidez e segundo a mulher todo o dinheiro que recebe da pensão vai para os remédios.

Fátima passa o dia manobrando o carrinho de supermercado que usa para acomodar os produtos que vende. Precisa também se esconder dos fiscais. No ano passado teve toda a mercadoria apreendida. “Meu Deus esse é o meu pão de cada dia. Com minha filha pequena e meu marido doente não posso me comprometer com ninguém por isso preciso trabalhar por conta própria. Pago água gás e luz com esse dinheiro. E nunca recebi nenhum auxílio como o Bolsa Família. O que eu precisava era que o governo me desse um lugar para trabalhar” diz.

De acordo com Márcio Salvato coordenador de pesquisas do Instituto de Desenvolvimento Humano e Sustentável (IDHS) que publicou no ano passado um estudo sobre os ODM não é possível diagnosticar ainda uma causa específica para o fato de municípios mais ricos terem menos mulheres com carteira assinada. Ana Rosa M. Soares oficial de avaliação e monitoramento de ODM do Pnud porém diz que existem algumas hipóteses. “Em municípios mais pobres as mulheres têm de buscar mais emprego. E nesses locais não há opções. Elas aceitam a primeira que aparece” avalia.

“é preciso olhar no entanto o que está por trás dos números. Que tipo de trabalho elas estão fazendo? Os menos qualificados” afirma Sérgio Andrade pesquisador do Núcleo de Apoio a Políticas Públicas. “Por isso as mulheres continuam ganhando menos” explica.

Maternidade
Para Márcio Salvato a possibilidade de ser mãe é um dos fatores objetivos que explicam as desigualdades nos salários. “A remuneração é calculada pela produtividade média. A mulher fica no mercado menos tempo por isso o diferencial de renda é maior. Se uma mulher tem dois filhos por exemplo vai ficar muitos meses ausente do trabalho” analisa. Porém ele ressalta que estudos já mostraram que a menor produtividade feminina não é suficiente para justificar as diferenças de remuneração. “Ainda temos um grande fator de discriminação.”

A diferença entre salários é mais evidente quando se analisa a situação de profissionais com curso superior. Dados de 2007 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) mostram que quanto maior a escolaridade maior é a diferença entre os rendimentos dos dois gêneros. A análise do ministério calcula a razão entre os salários de homens e mulheres com o mesmo grau de instrução. Quanto mais perto de 100 for o resultado mais próximos são os rendimentos. Enquanto no DF a razão dos salários de mulheres e homens com o ensino médio incompleto é 9327; o número cai para 7795 quando a análise é feita entre trabalhadores com nível superior. Minas Gerais é onde a diferença é maior. No estado a razão do rendimento de homens e mulheres que possuem graduação é de 517.

Márcio Salvato explica que o problema evidentemente não é a escolarização fator que eleva a remuneração. Segundo ele as mulheres optam mais por cursos superiores na área de humanidades enquanto homens preferem diplomas de cursos como engenharia e direito. “Por isso nem tudo pode ser considerado discriminação” lembra.

Sertanejas se tornam empreendedoras

Eram mulheres fadadas à miséria moradoras de municípios longínquos de uma das áreas mais carentes do país o semiárido. Porém cada uma tinha seu talento: umas na cozinha outras no artesanato. Só não sabiam como tirar proveito disso. Até que em 2006 com patrocínio de uma indústria petrolífera o Movimento de Organização Comunitária (MOC) sediado em Feira de Santana (BA) criou um projeto que ajudou as sertanejas a ganhar dinheiro e elevar a autoestima.

Trezentas moradoras de 10 municípios dos territórios de Sisal da Bacia do Jacuípe e do Portal do Sertão foram incluídas no projeto Mãos que trabalham vencedor do Prêmio ODM 2007 promovido pela Presidência da República. “O objetivo era dar poder econômico político e social para essas mulheres” explica a coordenadora da iniciativa Lorena Cruz. Elas foram organizadas em 25 grupos de produção incluindo artesanato culinária cultura e agricultura familiar entre outros.

O projeto segundo Lorena foi fruto de uma pesquisa no semiárido. “Quando se debatia a falta de poder político das mulheres verificava-se que o entrave era a falta de renda. Com os grupos de produção identificamos o potencial de cada uma. Um potencial que muitas nem sabiam que tinham” diz.

Liderança
A geração de renda provocou uma revolução nas sertanejas. “Nos depoimentos elas dizem que o convívio familiar e o processo de decisão melhoraram. Hoje elas têm maior capacidade de discutir políticas públicas e assumir lideranças. Muitas já estão à frente da diretoria de sindicatos” exemplifica a coordenadora do projeto.

Junto com outros movimentos populares as sertanejas do Mãos que trabalham constituíram o Fórum de Mulheres do Semiárido. Ontem por exemplo discutiam com os novos prefeitos baianos as políticas para os municípios. Da grande rede formada surgiram 50 empreendedoras que participam de feiras exposições e já mostraram seus produtos no Chile e na Itália. A crise econômica mundial porém ameaça o projeto premiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O contrato acabou em dezembro e não foi renovado. Tínhamos a ideia de fazer uma terceira fase que infelizmente está suspensa” lamenta Lorena.
Fonte: Correio Braziliense

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