O flagelo das demissões castiga em primeiro lugar os segmentos mais frágeis e explorados da classe trabalhadora começando pelos imigrantes latino-americanos no caso dos EUA ou de brasileiros (dekasseguis) no Japão. O fantasma do desemprego também voltou a rondar os lares das famílias operárias no Brasil. A produção do setor industrial acumulou queda de 8% nos meses de outubro e novembro. O nível de emprego caiu 24% em dezembro no ramo automobilístico e tudo indica que as coisas vão piorar sensivelmente ao longo deste ano.

De efeito a causa

à primeira vista o desemprego surge como um efeito natural da crise colorido com os tons trágicos e resignados da fatalidade. Todavia no movimento real (e dialético contraditório) da economia de efeito o desemprego logo se transforma em causa da recessão. Esta emerge conforme teorizou Karl Marx da ruptura da unidade entre produção e consumo no momento em que as mercadorias produzidas na indústria (em sentido amplo incluindo agropecuária e serviços) não são vendidas caracterizando uma solução de continuidade no processo de circulação do capital que o pensador alemão traduziu em duas formas: D-M-D` no setor produtivo e D-D´ no setor financeiro.

A fórmula se refere no caso da economia real à transformação do capital na forma dinheiro (D) em capital na forma mercadoria (M) e sua reconversão à forma inicial (dinheiro) acrescido de um excedente (D´). No caso do capital fictício (financeiro) a circulação não requer tal transmutação (do capital-dinheiro em capital-mercadoria) o dinheiro inicial (D) se transforma em dinheiro acrescido de um excedente (D´) sem a mediação do processo produtivo mas também neste caso a circulação do capital está sujeita a embaraços.

Interrupção do crédito

No setor produtivo a interdição da circulação do capital tem sua tradução na superprodução relativa de mercadorias ou seja num excesso de produção face à capacidade (limitada) de consumo da sociedade. No setor financeiro a solução de continuidade da circulação do capital ocorre com a brusca interrupção do crédito e de outras formas de investimentos financeiros. Obviamente o que se verifica hoje não é uma mera crise financeira mas uma séria perturbação do processo global de reprodução do capital que envolve tanto a economia real quanto o capital fictício.

O desemprego deixa de ser efeito e se transforma em causa da recessão na medida em que reduz significativamente a capacidade de consumo da classe trabalhadora. é necessário entender que a crise não irrompe porque o assalariado resolve parar de consumir de um momento para o outro movido por obscuras razões psicológicas conforme imagina o nosso presidente. O trabalhador não deixa de consumir por vontade própria mas por carência de renda. Uma vez demitido já não recebe salário não tem dinheiro para ir às compras. Agrava-se por consequência o divórcio entre produção e consumo a crise de superprodução. O desemprego se transforma então de efeito em causa da recessão é um fator retro-alimentador da crise. Daí que o combate eficiente à crise pressupõe em primeiro plano a defesa do emprego.

Relações de produção

O desemprego nos é apresentado pelo pensamento dominante como um efeito inevitável da crise uma fatalidade equiparável a uma calamidade natural. Isto porém não corresponde à verdade dos fatos já que se trata de uma relação social que no caso envolve dois agentes da produção capitalista: o empresário proprietário dos meios de produção e o trabalhador despojado desses mesmos meios que para sobreviver é constrangido a vender sua força de trabalho ao patrão. No capitalismo a mão-de-obra não é mais como uma mercadoria embora uma mercadoria especial com a propriedade de produzir um valor excedente uma mais-valia.

A demissão é antecedida da decisão do capitalista de demitir. Se tal decisão não fosse tomada não haveria demissão e nem razão para se preocupar com o desemprego. A responsabilidade pelo desemprego deve ser atribuída por consequência aos capitalistas ao capitalismo às relações sociais subjacentes ao processo de produção capitalista. é fácil verificar isto quando se observa o comportamento do emprego em épocas de crise no setor público onde as relações trabalhistas (excluindo celetistas) são regidas por outras regras e o trabalhador goza de maior estabilidade. Diferentemente do que ocorre nas empresas privadas (capitalistas) o funcionário público com estabilidade não é demitido em épocas de recessão. Disto podemos deduzir que o desemprego não é um efeito espontâneo e natural da crise.

Jornada e emprego

Faz muito tempo que economistas sindicalistas e empresários sabem que é possível evitar o avanço do desemprego alterando a jornada de trabalho no caso reduzindo-a. Uma vez dado o grau de produtividade do trabalho o nível de produção é determinado pelo número de horas trabalhadas que por sua vez depende da jornada e da quantidade de trabalhadores em atividade. Manifesta-se aí o que Adam Smith classificou de lei do valor-trabalho. O patronato reconhece implicitamente esta verdade ao impor a flexibilização da jornada através do banco de horas alongando-a quando a produção está em expansão e reduzindo-a quando o mercado se contrai.

O presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) Paulo Skaf também admitiu esta relação entre jornada e emprego ao declarar recentemente que a saída para o desemprego no Brasil é a redução da jornada de trabalho em 20%. Até aí tudo bem. Mas eis que ele também propõe uma diminuição proporcional dos salários o que para a classe trabalhadora é inadmissível e do ponto de vista econômico (no combate à recessão) é um contra senso pois a redução da renda do trabalho também produzirá uma diminuição do consumo agravando a crise de superprodução.

Luta de classes

A redução da jornada sem redução de salários é uma bandeira histórica dos trabalhadores e trabalhadoras que responde ao incessante avanço da produtividade do trabalho e ganha maior relevância e sentido neste momento de crise. Mas é uma reivindicação que contraria frontalmente os interesses que orientam o processo de produção e reprodução ampliada do capital pois não se efetiva sem sacrificar em certa medida os lucros. Por esta razão os capitalistas são radicalmente contra a redução da jornada sem redução de salários.

Assim como emprego e desemprego resultam de relações sociais entre capitalistas e trabalhadoras também o tempo de trabalho não é dado a priori na economia mas o resultado histórico da luta de classes entre capital e trabalho. Para transformar em realidade esta aspiração histórica da classe trabalhadora é preciso lutar com muita determinação de forma a romper as barreiras impostas pelos capitalistas. Este talvez seja o maior desafio que a crise lança para o movimento sindical brasileiro que na sua marcha unitária em Brasília no final do ano passado sob a bandeira do desenvolvimento com valorização do trabalho manifestou a disposição de lutar para que o ônus da crise não seja lançado sobre as costas largas da classe trabalhadora na forma do desemprego redução de salários e flexibilização de direitos.

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